Como, muitas vezes, os efeitos de medidas políticas e económicas levam algum tempo a sentirem-se na economia “real”, é bastante útil olhar para outros indicadores tangenciais – uma espécie de pensamento económico lateral. Assim, ainda não se sentiu verdadeiramente o impacto das taxas alfandegárias da Administração Trump sobre a China que, neste momento, parece ser o alvo verdadeiro de toda esta pretendida reformulação da ordem comercial mundial.
Mas, ontem, alguém do Smarter Ecommerce deu conta que a plataforma de compras online Temu, propriedade da empresa chinesa PDD Holdings e vendedora de uma variedade de produtos a preços muito baixos enviados diretamente da China, tinha possivelmente parado quase por completo os anúncios no Google Shopping nos EUA. A Temu está entre os 5 maiores clientes do Google Ads e, no ano passado, gastou 2 mil milhões de dólares em anúncios na Meta.

Portanto, alguém na Temu decidiu que anunciar nos EUA já não seria financeiramente competitivo dada a guerra comercial. Provavelmente, neste caso, o levantamento da exceção de minimis em que encomendas que custassem menos de 800 dólares não pagavam taxas alfandegárias torna impossível o modelo de negócio da Temu.
Qual é o impacto desta retirada da Temu?
Há um ano atrás estimava-se que a Temu teria 17% da quota de mercado do e-commerce norte-americano e era a app de shopping com mais downloads na Apple Store, seguida da Shein (também chinesa, vendedora de “fast fashion”) no segundo lugar, e as americanas Amazon na terceira posição e Target na quarta.
O que parece ser boas notícias para a Amazon e a Target, na verdade não o são. Cerca de 30% dos produtos comercializados pela Target são fabricados na China (eram 60% em 2017 mas suponho que as taxas alfandegárias obrigaram a mudança de produção para outros países como o México e o Vietname). A Amazon, onde muitas pequenas empresas americanas participam no programa de Amazon retailer/affiliates, os produtos de origem chinesa ascendem a 70% do inventário oferecido.
As muitas empresas americanas que apesar de serem sediadas nos EUA e propriedade de americanos, com branding e design de produtos próprios mas que, no fundo, não passam de revendedores de produtos fabricados na China, estão em maus lençóis. E as empresas de marketing digital perderam um (ou mais) dos seus melhores clientes.
Os avisos de Von der Leyen
E também um sinal de aviso para a Europa: a presidente da Comissão Europeia tem vindo a reiterar que a guerra comercial entre a China e os EUA tem repercussões na economia europeia via o excedente da produção chinesa que poderá vir a ser mais agressivamente comercializado na Europa. Por outro lado, esta situação dá algum poder a UE e Von der Leyen aproveitou a oportunidade para introduzir o tema da abertura da China ao investimento de empresas europeias.
Para pôr em contexto, no ano passado, a China exportou 525 mil milhões de dólares para os EUA e 516 mil milhões de dólares para a UE. De acordo com uma estimativa de analistas da Eurizon, um terço da produção chinesa para os EUA poderá ser desviada para a Europa, com efeitos desinflacionários.
Ainda ontem num seminário da CEPR, Sander Tordoir dizia que é possível que este efeito desinflacionário seja sobretudo em sectores não cruciais para Europa como os têxteis. Os consumidores europeus, comprando produtos mais baratos, poderão gerar um excedente de poupanças para investirem e comprarem bens de sectores chave o que, conjugado com a expansão fiscal europeia liderada pela Alemanha, venha a promover o empurrão que a economia da UE precisa.
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