Uma nota sobre a reviravolta nas taxas alfandegárias: Trump voltou atrás nas taxas “recíprocas”, voltou aos 10% base e adiou o problema para daqui a 3 meses (como tínhamos quase adivinhado há uns dias) excepto para a China que retaliou, os EUA contra-retaliaram, e estão numa guerra comercial em espiral. Isto vai ter de acabar com o Trump a fazer um spin como nunca se viu quando tiver de ceder e baixar as tarifas à China.
Quando, depois de uns posts do Trump no Truth Social, a suspensão foi formalmente anunciada, o Secretário do Tesouro Bessent encarregado desta tarefa nada invejável, disse que isto tinha sido o plano desde o início e que a volatilidade nos mercados não tinha nada a ver com a decisão. Quando o Trump foi entrevistado sobre a suspensão disse que tinha visto o CEO da JPMorgan, Jamie Dimon, na Fox News a dizer que algo tinha de ser feito para evitar uma crise financeira e que, como tinha passado a noite a ver como o mercado obrigacionista estava “nervosinho”, decidiu fazer uma suspensão. Como dizia alguém, revelar ao mundo que problemas no mercado obrigacionista fazem anular medidas que era suposto serem inabaláveis, é literalmente estar a pedi-las para que os países e firmas financeiras tentem manipular o mesmo mercado para fazer parar a torrente de parvoíce.
Mas que crise foi esta que fez Trump voltar atrás?
As taxas alfandegárias provocaram uma série de avisos de economistas e empresas sobre o aumento provável da inflação e da possibilidade de uma recessão. Isto teve um efeito devastador no mercado bolsista que, ajudado pelo retalho que está habituado desde os tempos de casino da pandemia a “buy the dip” (a aproveitar sempre que a bolsa cai para comprar), desceu e subiu com gosto, batendo recordes de volatilidade e de amplitude de preços num só dia, durante dias seguidos.
Ora, quando há instabilidade no mercado bolsista, o dinheiro foge para porto seguro. Os investidores vendem ações e usam o capital para se refugiar em:
- Ouro: o ouro está a um preço recorde e a subir, o que indica uma fuga contínua para segurança.
- Dólar: desta vez o dólar está na raiz do problema, ou melhor, os “donos” do dólar revelaram-se de pouca confiança e o capital tem fugido para o Yen, Euro e para o Franco Suiço. Estamos definitivamente numa crise de confiança no dólar. A queda de valor num só dia tem sido algo descrito como uma coisa que acontece a moedas de terceiro mundo. (também já tínhamos falado da possibilidade da desdolarização aqui neste blogue). Ainda hoje o dólar está a perder valor para as principais divisas:

- Obrigações do Tesouro Americanas: aqui está o busílis e é o que levou o Trump a reconsiderar. Habitualmente espera-se que a correlação entre as ações e as obrigações seja inversa, mas agora caem as duas no mesmo sentido: para o fundo. Aqui vai uma seção só para este assunto.
O alerta vermelho nas Obrigações do Tesouro Americanas
Isto funciona mais ou menos assim: os EUA eram o país mais estável e confiável do mundo; quem quer ter dinheiro investido praticamente sem risco, compra obrigações do tesouro americano, o que equivale a emprestar dinheiro aos EUA em troca de um rendimento, o cupão. Isto é tudo super seguro e com baixo risco porque os EUA irem à bancarrota é impensável.
As obrigações têm maturidades diferentes conforme o apetite por risco e expectativas (mas também podem ser vendidas no mercado secundário para quem mudar de ideias). Por isso, se, por exemplo, 1.000 dólares é o valor nominal de obrigações emitidas pelos EUA que prometem pagar 3% em cupões ao ano: o rendimento dessas obrigações é de 3% (duh). Mas digamos que, de repente, a confiança nos EUA baixa e há um país X que tem em carteira muitas dessas obrigações e decide vender. O risco deste investimento aumentou porque a confiança diminuiu. Portanto, para comprar estas obrigações eu vou querer receber mais em rendimento do que os 3%. Então o país X, para se ver livre destas obrigações, vai ter de me vender as mesmas por menos valor do que elas foram emitidas. Em vez de eu as comprar pelos 1.000 dólares vou comprá-las, por exemplo, por 800. O cupão é de 3%: eu recebo 30 dólares (1000×3%) por ano com um investimento de 800 dólares o que equivale a um rendimento de 30/800= 3,75%.
A implicação deste aumento do rendimento no mercado secundário é que, quando os EUA emitirem novamente dívida, o que acontece periodicamente em leilão, os investidores vão exigir uma taxa de rendimento (cupão) maior e poderão não comprar o que vai provocar problemas de financiamento. Ou, se os EUA emitirem obrigações com um cupão mais alto, isto vai aumentar os encargos de juros do país e aumentar ainda mais o défice.
Pior ainda, o Yield da dívida pública americana serve de base para as taxas de juro para os outros empréstimos como hipotecas de casas e financiamento a empresas, pondo em causa o mercado habitacional e o crescimento dos resultados e investimentos empresariais, pondo em risco o emprego. Se as empresas em dificuldades emitem obrigações de dívida (as high yield e distressed debt) e não conseguem vender porque os investidores exigem yields impossíveis, estas empresas vão à falência!
Isto para dizer que o que tem causado pânico tem sido o aumento abrupto do rendimento (yield) das obrigações do tesouro americanas porque significa que tem havido vendas massivas.
Vendas massivas de obrigações do tesouro podem ter muitas origens, mas a desconfiança e que isto possa ser um sinal de problemas na “canalização” do sistema financeiro. Uma hipótese que se aventou foi que a China estaria a vender as obrigações que detém como retaliação. Depois alguém disse que afinal era o Japão. Uma maneira que temos de descortinar se isto é verdade é olhar para os câmbios porque, simplificando, vender dólares aumenta o valor da divisa de quem vende. Mas estão praticamente todas a valorizar contra o dólar! Venda generalizada?
Outra hipótese seria que a venda de obrigações norte-americanas teria sido uma venda forçada pelos fundos hedge que se viram em apuros quando a carteira de investimentos perdeu valor e tiveram de realizar capital para pagarem ou oferecerem garantias contra os empréstimos que contraíram (os fundos hedge vivem em constante alavancagem: usam dinheiro emprestado para investir porque supostamente são craques em obter retornos e vale-lhes a pena).
O que não ajuda nada esta situação é que os Republicanos estão a tentar passar um pacote de medidas que pretendem cortar impostos e aumentar a dívida ainda mais o que põe questões sobre o financiamento do país.
A reserva federal tem sido a salvadora do sistema financeiro em crises semelhantes no passado, crises essas com origens exógenas ou dentro do próprio sistema financeiro, mas, desta vez, o mal vem de dentro. Como contrariar o próprio governo dos EUA?
Que mais riscos se avizinham?
- Um sinal de crise financeira iminente seria se o ouro desvalorizasse. Como disse o Joe Weisenthal, “quando estás preocupado compras ouro, mas quando estás mesmo preocupado tens de o vender”.
- A economia americana (e mundial!) já está a arrefecer: a reserva de contentores para o mês de Abril caiu 48% em relação ao ano anterior. O comércio está a paralisar, basicamente.
- O Trump está a tentar despedir presidentes de agências independentes e pediu ao Supreme Court um parecer sobre essa possibilidade. Se o tribunal aceder, abre as portas ao despedimento do governador do banco central, Powell da Federal Reserve, e aí será o salve-se quem puder.
- É possível que Trump mais uma vez, pressionado pela possibilidade de hecatombe financeira, volte atrás nas taxas alfandegárias à China. Ajudava, mas já ninguém confia nele nem nos EUA e o investimento, bolsas, obrigações, dólares e alianças geoestratégicas não vão recuperar tão depressa. O mal está feito. Veja-se o gráfico da incerteza política a bater recordes.

- A maluqueira de invadir a Gronelândia. Nem tenho palavras. O sistema financeiro a implodir seria o menos, com uma guerra dentro da NATO.
- E se a China invade Taiwan? Os EUA estão de que lado? e a UE?
E a manipulação dos mercados?
Um utilizador no Xitter lançou o alerta que tinham havido transações suspeitas mesmo antes do anúncio da pausa de 90 dias. A teoria era que o círculo de Trump sabia do que ia acontecer e, adivinhando que a bolsa reagiria euforicamente, teriam aproveitado para ganhar uns milhões.
Eu acho que isso é possível mas, na prática, é indiferente. Primeiro porque a autoridade americana que inspeciona estas transações e multa e prende os infractores, a SEC, é como se não existisse dados os despedimentos e cortes que tem sofrido. Segundo porque, nem falando da bolsa, indícios de corrupção estão a céu aberto e ninguém pode fazer nada – veja-se o CEO da NVIDIA ter pago um milhão para jantar em Mar-a-Lago e no dia seguinte o embargo de exportação de chips para a China ter sido levantado.
A impunidade é tal que nem vale a pena perdermos tempo com isto que só causa azia.
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